Entenda quando a lei ordinária pode revogar benefício de servidor público criado por lei complementar e quais são os impactos para os direitos dos servidores.
Introdução
Servidores públicos, especialmente no âmbito municipal, convivem com uma dúvida recorrente: benefícios concedidos por lei podem ser retirados pela Administração? E mais: uma lei ordinária pode revogar um benefício criado por lei complementar?
Essa discussão foi enfrentada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 1.352 da Repercussão Geral, que fixou uma tese com impacto direto sobre os direitos dos servidores públicos e sobre a atuação dos Municípios.
Neste artigo, vamos explicar:
- O que estava em debate no Tema 1.352
- A diferença entre lei ordinária e lei complementar
- O entendimento firmado pelo STF
- Quando a revogação de benefícios é constitucional
- Quais cuidados o servidor público deve ter
Tudo de forma clara, técnica e acessível.
O Caso que Deu Origem ao Tema 1.352
O Tema 1.352 teve origem em um Recurso Extraordinário com Agravo, proveniente do Município de Formiga/MG.
Nesse município, uma lei complementar instituiu o pagamento de auxílio-transporte aos servidores públicos. Posteriormente, a Prefeitura deixou de efetuar o pagamento do benefício, alegando que ele havia sido revogado por uma lei ordinária.
Uma servidora ingressou com ação judicial para cobrar o benefício.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais entendeu que a revogação era inválida, sob o argumento de que somente outra lei complementar poderia revogar um benefício criado por lei complementar, aplicando o chamado princípio do paralelismo das formas.
Inconformado, o Município levou a discussão ao STF.
Lei Complementar e Lei Ordinária: Existe Hierarquia?
Antes de analisar a decisão do STF, é fundamental esclarecer um ponto central do debate: não existe hierarquia entre lei complementar e lei ordinária.
A diferença entre elas não está no “valor” normativo, mas na função constitucional que cada uma exerce.
Lei Complementar
A lei complementar é exigida apenas quando a Constituição determina expressamente sua utilização para tratar de determinada matéria. Exemplos comuns no âmbito municipal incluem:
- Organização administrativa
- Finanças públicas
- Plano de cargos e salários
- Normas gerais sobre tributos, quando exigido pela Constituição
Além disso, a lei complementar exige quórum qualificado para aprovação: maioria absoluta dos membros da Casa Legislativa.
Lei Ordinária
A lei ordinária é a forma legislativa mais comum e pode disciplinar todas as matérias que não estejam reservadas à lei complementar pela Constituição.
Ela exige quórum mais simples: maioria dos parlamentares presentes à sessão.
O Entendimento do STF no Tema 1.352
Ao julgar o caso, o Supremo Tribunal Federal deu razão ao Município de Formiga.
O relator, ministro Edson Fachin, destacou dois pontos centrais:
- A Constituição Federal não exige lei complementar para disciplinar benefícios de servidores públicos
- A lei complementar municipal que instituiu o auxílio-transporte tratava de matéria materialmente ordinária
Em outras palavras, embora formalmente seja uma lei complementar, o conteúdo da norma poderia ter sido tratado por lei ordinária desde o início.
Nesses casos, o STF entendeu que, por força do princípio da simetria, o benefício pode ser validamente revogado por lei ordinária.
A Tese Fixada no Tema 1.352
O STF fixou a seguinte tese de Repercussão Geral:
“É possível a revogação ou alteração por lei ordinária de benefício instituído a servidor público por lei complementar quando materialmente ordinária, observado o princípio da simetria.”
Essa tese passa a orientar todos os tribunais do país em casos semelhantes.
Isso Significa que Todo Benefício Pode Ser Retirado?
Não.
E esse ponto merece especial atenção.
A decisão do STF não autoriza a retirada indiscriminada de direitos dos servidores públicos.
O que o Supremo afirmou foi que:
- Se a Constituição não exige lei complementar para tratar da matéria,
- E se a lei complementar apenas assumiu essa forma por opção do legislador local,
- Então a revogação por lei ordinária é juridicamente possível.
Por outro lado, se a matéria exigir lei complementar por imposição constitucional, a revogação por lei ordinária será inconstitucional.
Cada caso exige análise técnica e cuidadosa.
Impactos Práticos para Servidores Públicos
O Tema 1.352 traz importantes lições práticas:
- Nem toda revogação de benefício é ilegal
- O nome da lei não é suficiente: importa o seu conteúdo
- Municípios frequentemente utilizam leis complementares para tratar de matérias ordinárias
- O servidor precisa estar atento para identificar quando há, de fato, violação constitucional
Em muitos casos, benefícios são retirados sem observância da Constituição ou do devido processo legislativo, o que pode gerar direito à anulação do ato.
Conclusão
O julgamento do Tema 1.352 pelo STF trouxe maior clareza sobre a relação entre lei ordinária e lei complementar no âmbito do Direito Administrativo.
Embora tenha reconhecido a possibilidade de revogação de benefícios em situações específicas, o Supremo não autorizou arbitrariedades nem afastou a necessidade de análise constitucional rigorosa.
Por isso, quando se trata de direitos de servidores públicos, é essencial contar com orientação jurídica especializada.
Nosso escritório atua diariamente na defesa de servidores e candidatos a concursos públicos, analisando com precisão técnica cada caso concreto.
Perguntas Frequentes sobre o Tema 1.352 do STF
- Todo benefício criado por lei complementar pode ser revogado por lei ordinária?Não. Apenas quando a matéria for materialmente ordinária e não houver exigência constitucional de lei complementar.
- Existe hierarquia entre lei complementar e lei ordinária?
Não. O que existe é diferença de função e de quórum de aprovação. - O servidor pode questionar judicialmente a retirada do benefício?
Sim, especialmente se a revogação violar a Constituição ou princípios administrativos. - Esse entendimento vale para todos os entes federativos?
Sim. Por se tratar de tese de Repercussão Geral, o Tema 1.352 deve ser observado por todos os tribunais do país.





